Sobre cinema, educação e decolonialidade
A relação entre cinema e educação, no contexto da educação escolar ou não escolar, é parte da própria história do cinema. Desde os primórdios das produções cinematográficas, produtores e diretores de cinema, entre outros, já o consideravam uma poderosa ferramenta para instrução, educação e reflexão humanas. Observando-se a variedade de saberes apresentados nos filmes, é possível transcender a simples utilização do cinema como estímulo audiovisual ou como uma ilustração da realidade. Além disso, a inserção de novas estratégias de desenvolvimento do processo de ensino-aprendizagem tem sido primordial para a inovação pedagógica e a adequação às mudanças sociais, com a finalidade de proporcionar uma formação integral aos cidadãos. Nesse contexto, o cinema pode ser uma ferramenta educativa cheia de potencialidades.
Sabe-se que os filmes não só
informam ou entretêm, mas também podem oferecer novas formas de lidar com
conflitos pessoais e coletivos e servir como instrumento para discussão de
questões que ainda necessitam de debate. Michel Martin acredita que o cinema,
“tornado linguagem graças a uma escrita própria, que se encarna em cada
realizador sob a forma de um estilo” (MARTIN, 2005, p. 22), configura-se como
importante meio de comunicação, de informação e de propaganda, o que não
contradiz ou diminui sua qualidade enquanto obra artística. Partindo da
premissa de que o cinema “é também uma maneira de se organizar e de se refletir
sobre o mundo”(TAVARES, 2012, p. 2), que o filme é “um dos mais importantes repositórios
de imagens a que podemos ter acesso” (TAVARES, 2012, p. 2), e que “tem servido,
desde o início, para organizar a nossa experiência do mundo” (TAVARES, 2012, p.
2), estudá-lo pode ajudar a melhor compreender determinadas construções do
imaginário de um país, de um povo ou de uma cultura. A utilização do cinema
para fins pedagógicos no Brasil foi recorrente na década de 1940, no governo de
Getúlio Vargas. No final dos anos 1980 passou a ser mais comum o uso do cinema
por professores principalmente pela disseminação da televisão. O advento do
VHS, depois do DVD e da internet intensificaram ainda mais essa possibilidade.
No intuito de ampliar o
trabalho pedagógico através do cinema, foi desenvolvido esse trabalho, que
prevê promover ações de formação, produção de material pedagógico, publicação e
seminário sobre a relação entre cinema e educação em uma perspectiva
transdisciplinar ao possibilitar o diálogo com diferentes áreas do
conhecimento, e decolonial. Uma das preocupações
centrais da decolonialidade é, justamente, a questão do conhecimento. Ela
estabelece uma forte crítica ao eurocentrismo e ao cientificismo, e assume a
necessidade de afirmação “corpo-geopolítica” para a produção do conhecimento
como estratégia para desarmar as estratégias de desqualificação epistêmica e de
negação ontológica implantadas pela colonialidade (BERNADINO-COSTA et al, 2019,
p. 13). Vale ressaltar que há uma grande confusão entre os termos
descolonização e decolonialidade, principalmente porque o primeiro muitas vezes
é usado no sentido do segundo (MALDONADO-TORRES, 2019, p. 36). No intuito de
enfatizar essa distinção, Nelson Maldonado-Torres afirma, de forma bem sucinta,
que a descolonização, termo recorrente no âmbito dos Estudos Culturais, em
geral, e na Teoria Pós-colonial, mais especificamente, refere-se a momentos
históricos em que sujeitos coloniais se insurgiram contra os ex-impérios e
reivindicaram a independência, já a decolonialidade refere-se à luta contra a
lógica da colonialidade e seus efeitos materiais, epistêmicos e simbólico
(MALDONADO-TORRES, 2019, p. 36).
O eixo 2 foi criado com o intuito de planejar, organizar e executar as ações da atividade de extensão “O uso do cinema na sala de aula em uma perspectiva decolonial”, coordenada pelo professor Dr. Alex França, que integra o grupo de extensão Cinema: subjetividade, cultura e poder, da Universidade Estadual de Feira de Santana, com a coordenação geral da Profa. Dra. Ivone Maia.
Para isso, todo um trabalho de formação e orientação será desenvolvido, com atividades formativas, encontros de orientação, produção e revisão de material teórico e didático, seminários e publicações. Entre as atividades formativas, cursos sobre a relação entre cinema e educação, cinema e decolonialidade, curadoria e crítica de cinema, em formato presencial e/ou online. Os encontros de orientação visam acompanhar e avaliar o desenvolvimento da equipe e do material que será produzido por ela, junto a outros colaboradores. Já os seminários e publicações possibilitarão dar um retorno à universidade e comunidade externa dos resultados decorrentes de todo esse processo de formação e de produção de conhecimento.
Referências
básicas
COUTINHO, Laura Maria. Boletim Diálogos Cinema e Escola. TV Escola/Salto para o Futuro. Rio de Janeiro, 2002.
DUARTE, Rosália. Cinema & educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
MORAN, José Manuel. A integração das tecnologias na educação. Disponível em: http://www.eca.usp.br/prof/moran/site/textos/tecnologias_eduacacao/integracao.pdf. Acesso em: 15 jun. 2020.
BERNADINO-COSTA, Joaze; MALDONADO-TORRES, Nelson; GRASFOGUEL, Ramón (orgs.). Decolonialidade e pensamento afrodiaspórico. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
MIGLIORIN, Cezar; PIPANO, Issac. Filmes na escola: desafios para uma análise crítica. In: SOBRINHO, Gilberto Alexandre (org.). Cinemas em redes: tecnologia, estética e política na era digital. Campinas, SP: Papirus, 2016.
NAPOLITANO, Marcos. Como usar o cinema na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2003.
SOUZA, Edileuza Penha de (org.). Negritude, cinema e educação: caminhos para a implementação da Lei 10.639/2003. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2011. Vol. 1 e 2.
Comentários
Postar um comentário